terça-feira, 20 de fevereiro de 2024
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024
Sobre "Nelson, o alquimista do inferno"
Sobre
Nelson, o alquimista do inferno, de Renata Soares JUNQUEIRA, (São Paulo:
Todas as musas, 2022, 125 p.).
Não poucos leitores ou espectadores
(de teatro, de cinema e de exibições televisivas) manifestam desconforto diante
da poética de Nelson Rodrigues. Entretanto, o que para alguns parece
inabilidade dele para trazer à luz narrativas e cenas atraentes, agradáveis,
reconfortantes é, na verdade, um talento extremo para obter exatamente o efeito
vizinho da náusea que sua literatura e sua dramaturgia carregam. Por isso,
Renata Soares Junqueira não poderia ter escolhido melhor título para seu último
livro. Com efeito, Nelson Rodrigues faz de seus textos uma ponte – ou melhor:
escuro túnel – para levar o leitor ou expectador da poltrona confortável da
sala diretamente para o reino de Satã, onde ele pode “apreciar” aspectos da
vida – mormente a familiar – que em geral se prefere deixar atrás dos biombos
da alienação ou da mistificação. E é como alquimista que Nelson mistura o que
encontra pela frente para tentar a metamorfose desejada, não de ossos em ouro,
como o Flamel de Lima Barreto, mas, pelo contrário, a transformação de pretenso
diamante (a fidelidade conjugal, por exemplo) em cinzas (o puro creme da
promiscuidade ou putaria).
Em que consiste a alquimia de
Nelson? Renata argumenta, com sólidos fundamentos, que “a dramaturgia de Nelson
Rodrigues não será mesmo nem uma coisa nem outra [tragédia, comédia,
tragicomédia, drama, melodrama], mas uma habilíssima montagem de elementos
vários, redundando (...) num gênero de feição bem popular: a farsa
(grifo da autora) ...”. Alquimia de gêneros, de estilos, de abordagens, de
modos de ver o mundo, as pessoas e as coisas, buscando seu lado sombrio, para
evitar o engano ou, pelo menos, saber lidar com ele. Bravo!
Por que é infernal esta alquimia?
Porque vai na direção de “mostrar as tripas” daquilo que é um cadáver aberto,
de fato, enquanto é apresentado, ilusoriamente, como belo e bom corpo vivo e
atuante: a família burguesa, desde sua angelical definição por Diderot.
Nesse afã maldito, a quem Nelson
Rodrigues “se junta”, alinhando-se ou até sofrendo influência direta, na
dramaturgia brasileira? É bem interessante a resposta de Renata Junqueira para
esta questão, buscando comparações com as obras de Qorpo Santo, Oswald de
Andrade e Lúcio Cardoso, na primeira parte do livro (I-Teatro), que é praticamente
uma aula rápida e clara, mas profundamente esclarecedora (Renata é uma
habilíssima professora, além de profícua pesquisadora). Sua leitura enriquece o
cabedal dos iniciados, mas também se constitui numa introdução acessível e ao
mesmo tempo estruturante para o leigo.
Trazido para o cinema, o teatro de
Nelson Rodrigues sofre mutações: os alquimistas das cenas em celuloide lançam
diferentes olhares sobre o inferno que chega às suas mãos em forma de texto
teatral, reservando-se o direito de lidar com as personagens de modo a redimi-las
ou mantê-las em condenação; de modo a manter o espectador sob as garras de Satã
ou a reservar-lhe alguma possibilidade de fuga ou alívio. Renata analisa três
experimentos cinematográficos dignos de atenção (Parte II-Cinema): o de Leon
Hirszman (A falecida), o de Nelson Pereira dos Santos (Boca de Ouro)
e o de Arnaldo Jabor (Toda nudez será castigada). A
professora-pesquisadora, habituada aos procedimentos que evitam o olhar
monocromático e a mirada que foge à natureza multifacetada da realidade,
oferece, com esta parte de sua obra, outra rica aula sobre arte cênica e sétima
arte; não só permite ao leitor vislumbrar as diferenças entre as duas (cada
qual com suas possibilidades e limitações técnicas), mas também notar as
maneiras distintas de abordar artisticamente um mesmo tema e problemática. Fica
claro aquilo que todos deveriam suspeitar: nas mãos do escritor, do dramaturgo
e do cineasta, cenas, personagens, mensagens explícitas e implícitas se
modificam, profunda ou superficialmente; descobre-se como isso se deu no caso em
análise: há um Nelson Rodrigues (nos palcos) e outros Nelson Rodrigues (nas
telas). Quais as características de um e de outros? É ler e saborear.
Valdemir
Pires
Leitor
e eterno aprendiz que rabisca em "Escritos" (valdemirpires.com) sem
qualquer pretensão. Disponível para minicursos e palestras sobre leitura e
reflexões sobre o tempo. Aceita receber livros de literatura e de ensaios para
resenhas, publicando-as no seu site somente no caso de avaliação
favorável.
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024
sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024
O DEBATE, por Adalgisa Borsato
Comentários sobre: O Debate, filme nacional dirigido por Caio Blat com roteiro de Guel Arraes e Jorge Furtado, baseado no livro homônimo escrito por eles.
Os atores Paulo Beth e Débora Bloch interpretam dois jornalistas, Marcos e Paula, funcionários da TV Nacional. Juntos, eles acompanhavam o desenrolar das eleições a presidência do Brasil.
O roteiro do filme seguiu em blocos, maneira semelhante ao último debate dos dois candidatos, dias antes das eleições, no ano de 2022.
Os dois jornalistas mostravam os assuntos discutidos pelos candidatos, sem mencionar seus nomes. Depois discutiam os temas do debate entre eles, a cada final dos blocos, discretamente, sem demonstrar suas preferências partidárias, o que era, porém, muito fácil para o público deduzir.
No primeiro bloco falaram sobre o negacionismo do presidente da república e a influência causada à população ao ignorar o vírus. Falaram sobre a falta de vacinas, o não uso de máscaras e a corrupção na compra de EPIs. Mencionaram também outros problemas que surgiram durante a pandemia, destacando inclusive o número de mortos.
No primeiro bloco fiquei extasiada ... pois as palavras pareciam saltar do meu livro Relatos de Pandemia: o não uso de máscaras, a falta de vacinas e de oxigênio no estado do Amazonas. E, principalmente, o negacionismo do presidente da época e seus seguidores perante o vírus Sars-Cov 2, que causa a covid-19.
Nos demais blocos mencionaram problemas discutidos pelos candidatos, tais como: improbidade administrativa, falha na condução da economia do país, desemprego, aborto, auxílio aos mais necessitados, a falta de vacinas e a corrupção na compra de EPIs.
O filme é sem dúvida um marco histórico na preservação da memória de um país, da mesma maneira como eu procurei deixar escrito tudo que ocorreu durante a pandemia da covid-19, em meu livro Relatos de Pandemia, publicado pela Editora Todas as Musas.
Adalgisa Borsato
Conheça da autora: